Quando convidar o paciente para o Divã?
- Lane Lucena
- 6 de mai.
- 3 min de leitura

O divã é, talvez, um dos maiores símbolos da psicanálise. Quem nunca associou a imagem de Freud a um paciente deitado enquanto fala livremente? No entanto, para além da imagem clássica, existe uma questão fundamental na prática clínica: quando, afinal, convidar o paciente para o divã?
Freud, criador da psicanálise, utilizava o divã para estimular a associação livre — técnica em que o paciente diz tudo o que vem à mente sem censura. Ele percebeu que, ao se deitar e não ter o analista diretamente em seu campo de visão, o paciente conseguia acessar conteúdos inconscientes com mais facilidade. Freud explica esse processo em várias de suas obras, como em "A Técnica Psicanalítica" (1912), ao destacar que a posição no divã promove um ambiente propício para a emergência do que está recalcado.
Porém, o uso do divã não é obrigatório desde o início do tratamento. O analista precisa considerar fatores como o momento da análise, o vínculo terapêutico estabelecido e, principalmente, o perfil do paciente. Algumas perguntas são úteis nesse processo de avaliação:
O paciente demonstra segurança na relação transferencial?
Ele já entende o funcionamento básico da análise e da associação livre?
Há sinais de resistência que podem ser melhor trabalhados com o uso do divã?
Convidar o paciente para o divã geralmente acontece após um período inicial de encontros frente a frente, quando já existe um vínculo sólido e uma confiança mútua estabelecida. Nessa fase, o paciente tende a estar mais preparado para lidar com as angústias e os movimentos psíquicos mais profundos que o divã facilita.
Benefícios e desafios
O divã potencializa o trabalho analítico, pois minimiza distrações visuais e incentiva uma maior introspecção. Pacientes relatam, muitas vezes, que se sentem mais livres para expressar emoções, memórias e pensamentos que, frente a frente, poderiam censurar. No entanto, para alguns, o divã também pode provocar ansiedade, sensação de abandono ou silêncio excessivo.
É por isso que a decisão de convidar para o divã precisa ser personalizada. A experiência clínica e autores pós-freudianos, como Melanie Klein e Donald Winnicott, ampliaram a compreensão do setting analítico, mostrando que a adaptação da técnica às necessidades do paciente é fundamental para a eficácia do tratamento.
Respeitar o tempo de cada um
Cada paciente tem seu ritmo. Algumas pessoas podem estar prontas para deitar-se logo nas primeiras sessões, outras jamais se sentirão confortáveis. Em ambos os casos, o trabalho terapêutico é igualmente valioso. Como destacou Roudinesco (1998), o dispositivo analítico deve ser entendido como uma ferramenta a serviço do sujeito, e não como um fim em si mesmo.
Sinais de que pode ser o momento
O paciente já expressou curiosidade sobre o divã ou mostrou abertura para experimentar algo novo na análise.
Há indícios de que o diálogo frente a frente está se tornando excessivamente racional ou defensivo.
O analista percebe que conteúdos inconscientes estão começando a emergir, mas encontram bloqueios frequentes.
Convidar o paciente para o divã é um gesto clínico que precisa ser pensado com cuidado e sensibilidade. É um convite para aprofundar o contato consigo mesmo, para permitir que aquilo que está oculto encontre espaço para se expressar. Mais do que uma técnica, é um símbolo de um compromisso maior com o autoconhecimento e a transformação.
Freud já nos dizia que o caminho da análise é um processo de construção e reconstrução contínua. E, às vezes, esse caminho passa pelo divã — um lugar simbólico onde a fala se liberta, e o inconsciente pode, enfim, se revelar.
Lane Lucena, psicanalista, desenvolvedora da Metodologia das cartas Flor&Ser - que utiliza a escrita expressiva como recurso terapêutico e de florescimento humano. Mãe da Maria Carolina. Apaixonada pela vida, amo viajar, estudar e ler. Escritora, graduanda em Gerontologia, pós-graduada em comportamento organizacional e gestão de pessoas e em TEA - Transtorno do Espectro Autista, com especializações em psicopedagogia clínica e psicologia e saúde mental. Minha maior paixão é o autoconhecimento. Idealizadora do Psiqueanalise.com desde 2017.
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Referências:
Freud, S. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Obras Completas.
Roudinesco, E. (1998). História da Psicanálise.
Klein, M. (1946). Notas sobre alguns mecanismos esquizoides.
Winnicott, D. W. (1965). O ambiente e os processos de maturação.
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